Política, cidadania e voto

15/11/2011 13:40

Política, cidadania e voto

 

Gilberto Barbosa dos Santos

 

Parece-me que a cada quatro anos a história se repete: um amontoado de pessoas desejosas de lançarem-se no universo da política. Existem aquelas que almejam um cargo no Legislativo e há outras que jogam-se em uma corrida desenfreada para o Executivo. Entretanto, a única coisa que sobra dessa movimentação toda é um aglomerado de partidos políticos sem a menor sustentação ideológica, principalmente no sentido clássico em que os homens posicionam-se na arena política. Esse comportamento é fruto do nível das idéias que esses indivíduos possuem: de um lado, existe a esquerda que ainda não está morta; o centro – para o qual confluem-se muitos sujeitos sociais e políticos – e a direita – à qual volta-se vários homens, todavia, poucos possuidores de coragem suficiente para admitir tal postura. Para essa última categoria de pessoas, vale a reflexão proposta por Honoré de Balzac em seu romance “Esplendores e misérias cãs cortesãs” (2007), cuja leitura conclui. Em determinado ponto da narrativa, uma das personagens afirma que é possível conhecer de longe os seres políticos que são de direita, mas votam com o centro.

O narrador, ou melhor, o autor da novela, através do ser que conta a história, pretende explorar a questão, todavia, deixa para o narratário fazer as avaliações a partir de suas conjecturas pessoais. Entretanto, lança, em forma de farpa, mais uma interpelação ao leitor: “e hoje quem é que tem opinião? Existe apenas interesse”. Esse texto foi confeccionado por volta de 1840 na França e compõe a obra balzaquiana “A comédia humana”. Durante o período em que o romance era composto, o país passava por importante efervescência política, ideológica e cultural, por conta da Revolução ocorrida em 1789 e seus desdobramentos.

O leitor deve estar-se perguntando o que uma obra escrita na primeira metade do século XIX, portanto, há aproximadamente 160 anos, tem a ver com o Brasil do terceiro milênio e as eleições municipais que acontecerão no próximo ano? Tudo! Principalmente quando o meu escopo é entender as ramificações partidárias e as coligações que foram e ainda são feitas aqui e ali visando o pleito de 2012. Ao analisar as costuras realizadas nas mais diversas paragens brasileiras, é possível vislumbrar na mesma embarcação, os liberais, pseudo-esquerdistas e comunistas, além dos neo-esquerdistas. Essa prática elimina a base ideológica das legendas que formam o carrossel partidário e político nacional. Tal postura é certa ou errada? Objetivo nessas linhas entender como esses processos espúrios acontecem no Brasil, país que engatinha quando o assunto diz respeito à cidadania e participação política.

Uma análise realizada, levando-se em conta a racionalidade, deve-se ater em alguns pontos que os considero fundamentais: quais são os interesses dos formuladores dessas parcerias? A resposta a essa interpelação é simples: o poder! Se isso é verdadeiro, verossímil, e tendo a acreditar que sim, então o escopo do eleitor fica em segundo plano, já que a meta é satisfazer as necessidades dos integrantes das agremiações e de quem deu sustentação às campanhas eleitorais, ou seja, os grupos econômicos interessados em manter uma simbiose entre público e privado[1], em detrimento dos desejos da coletividade. Para que os anseios financeiros dos correligionários sejam satisfeitos, criam-se programas e projetos de governos estapafúrdios, ocos e pautados em promessas verborrágicas, que não condizem com a realidade ideológica desses partidos – agremiações. Entretanto, as propostas precisam existir para alinhavar o futuro governamental e ludibriar os eleitores mais desavisados e o povo em geral, a quem, de fato, pertence o poder e possuidor da capacidade de outorgá-lo àquele que considera em melhores condições de chefiar o município, estado ou nação.

Todavia, o cidadão ainda sem cidadania[2], está em condições de escolher, entre tantas mercadorias políticas, o postulante habilitado e capaz de tornar-se o seu representante? Novamente a resposta é rápida e certeira: não! A certeza advém do fato histórico do Brasil privilegiar as elites[3] e deixar de lado a educação dos integrantes dos estratos inferiores da sociedade nacional. Essa compreensão pode ser encontrada na análise feita a partir da matriz colonizadora brasileira, que é jesuítica e priorizou sempre os integrantes das camadas mais abastadas da época, em detrimento dos pobres “que herdariam o reino dos céus” em um mundo supra-sensível. Em contrapartida, encontra-se o viés norte-americano que pode ser utilizado como comparação. Na América, de perfil protestante, a educação do povo sempre foi o foco, pois através dela era possível entender as sagradas escrituras e construir o caminho em direção ao tão sonhado paraíso. Uma das conseqüências dessa visão de mundo particular foi, entre outras, a constituição de um Estado enquanto vontade de uma população soberana. Encontra-se ai outra importante questão a ser analisada, qual seja: o que veio primeiro no Brasil? A sociedade ou o Estado? Faz-se necessário ter claro que o segundo, bem como a forma de governo, deve ser fruto da vontade popular, isto é, da sociedade. Todavia, parece-me que aqui no Brasil, o povo, ou a idéia de nação, surge a partir de um Estado e sua estrutura viciados em privilégios oriundos duma corte lisboeta que aportou aqui há dois séculos.

Para desfazer-se esse nó apertado, é preciso que existam partidos fortemente ideologizados, todavia, isso ainda não aconteceu. Se por lado, existem sujeitos sociais e políticos inclinados a uma visão de mundo classificada como “de direita”, cujos princípios defendidos estão presentes desde a época da Independência (1822), mas longe da defesa de ideais liberais, por outro, encontram-se políticos travestidos de social-democratas, mas que na verdade agarram-se ao poder e dele não pretendem afastar-se tão cedo. E, por fim, há aqueles pseudo-esquerdistas que defendem ferrenhamente os interesses corporativos, mas objetivam passar outra imagem ao eleitorado: a de que almejam a melhoria da qualidade de vida da população. Enfim, é nesse universo político brasileiro que as coligações partidárias são concretizadas, sem que o povo saiba de fato quais são os interesses em jogo. Esse cenário é preocupante porque acontece a cada 48 meses, durante os pleitos sejam eles para as esferas municipais, estaduais ou no âmbito federal. Por esse expediente é possível encontrar situações em que aquele que fora adversário em um pretérito não muito distante, no presente, torna-se ardoroso aliado político, tudo em nome de um tal de governabilidade. Coisas da política, diria Maquiavel.

 

Gilberto Barbosa dos Santos,42, sociólogo, professor de Ciências Sociais na FASSP (Faculdade de Saúde São Paulo) e na rede estadual de ensino. (https://criticapontual.webnode.com.br) – e-mail: critica_social@hotmail.com      

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

1. BALZAC, Honoré. Esplendores e misérias das cortesãs. Trad. Ilana Heineberg. Porto Alegre, RS: L&PM, 2007. (L&PM pocket v. 582).

2. CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.

3. FERNANDES, Florestan. A Revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Prefácio de José de Souza Martins. 5ª ed. São Paulo: Globo, 2000.

4. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 34ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

5. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural na esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Trad. Flávio Kothe. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003 (Biblioteca Tempo Universitário – 76 – série Estudos Alemães).

6. MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Trad. Olívia Bauduh. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os pensadores).

7. WEBER, Max. Ética protestante e o espírito do capitalismo. Trad. Irene Szmrecsányi e Tamás Szmrecsányi. 8ª ed. São Paulo: Livraria Pioneira editora, 1994.



[1] - Jürgen Habermas tem importante trabalho sobre a simbiose entre público e privado a partir do advento e fortalecimento da burguesia. A abordagem faz parte do livro “Mudança estrutural na esfera pública” (2003).

[2] - Sobre a construção da cidadania no Brasil, José Murilo de Carvalho tem uma importante contribuição. Trata-se de seu livro “Cidadania no Brasil” (2001).

[3] - Ver a esse respeito importante trabalho, entre outros, de Florestan Fernandes: “A revolução burguesa no Brasil” (2000).